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Sempre teremos Paris?


Cena final de Casablanca, clássico do cinema, dirigido por Michael Curtiz em 1942. Não é possível que ainda haja alguém que não saiba o final do filme, então lá vai o spoiler de mais de setenta anos. Rick Blaine, o personagem de Humphrey Bogart, não fica com Ilsa Lund, a personagem de Ingrid Bergmann. Na última cena, ela pega o avião com seu marido Victor Lazlo, vivido por Paul Henreid. Antes disso, Blaine a pega nos braços e, na sua despedida, diz uma das várias frases célebres do filme: "Sempre teremos Paris".

É quase certeza absoluta na vida de qualquer um que tenha conhecido a capital da França que Paris a partir dali passe a fazer parte das suas melhores lembranças, especialmente as lembranças românticas. Em torno do rio Sena, estende-se uma das cidades mais lindas do mundo, com seus palácios impressionantes, com seus jardins deslumbrantes, com sua história extraordinária. Separado de Ilsa pelas circunstâncias da vida, Rick Blaine evoca na sua frase que ambos poderão, nos seus momentos mais tristes e duros, se escorar nas lembranças que sempre terão de Paris.

Rick Blaine é americano. Ilsa Lund é tcheca. São ambos estrangeiros, que, em plena Segunda Guerra Mundial, têm Paris como porto para obter suas melhores lembranças. Porque, além da beleza e das recordações românticas particulares de ambos, Paris evoca - a Paris do filme e daquele momento - diversos valores que são caros à civilização ocidental. E isso também, naqueles tempos de luta contra o nazismo e o fascismo, eram escoras importantes. Conceitos de democracia moderna, vindos da Revolução Francesa. E, naquele momento, o apoio à Resistência, com Paris e a França, berço importante da civilização ocidental, ocupadas pelos nazistas de Hitler. Claro que Paris poderia, pela sua história, evocar experiências opostas, de seus vários monarcas tiranos e opressores. Mas, naquele momento, o que se falava é do que ela poderia simbolizar na defesa da democracia ocidental.

Não é por acaso que outra das cenas antológicas de Casablanca se dá quando Victor Lazlo, o marido de Ilsa, chefe da Resistência Tcheca, começa a cantar a Marselhesa, puxando um coro, dentro do café de Rick para provocar os nazistas. Era o hino francês como símbolo dos valores que se moviam contra o nazismo e o fascismo e tudo aquilo que essas ideologias de direita tinham como seus próprios valores.

E, entre os valores caros ao nazismo e ao fascismo, certamente estavam a xenofobia extrema, o forte preconceito de raça e de gênero, que mandava para os campos de concentração judeus, ciganos, homossexuais. Que desprezava negros. Que idealizava raças superiores e puras. Raças superiores e puras que, claro, eram aquelas que eles consideravam as suas.

Triste, portanto, que venha justamente da França, de Paris, que no filme de 1942 representava valores tão opostos, agora o mais veemente elogio à vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Marine Le Pen, a candidata de direita com chances de vir a ser a próxima presidente da França, comemorou a vitória de Trump como "o início de uma nova era".

Como dissemos antes por aqui, uma era na qual os impérios em declínio tentam reagir às "invasões bárbaras" dos fluxos migratórios das colônias postas em ruínas, inviabilizadas por anos de exploração insana, da pior forma possível. Talvez só consigam, assim, acirrar ainda mais os conflitos.

Na prática, tudo isso vai significar políticas de proteção, de isolamento, de controles mais rígidos de fronteiras. Que vão significar mais exposições humilhantes em portos e aeroportos. Cidadãos desconfiados e agressivos contra seus visitantes estrangeiros, vistos como supostos inimigos.

E, aí, talvez a frase de Rick Blaine para Ilsa Lund perca seu significado para gerações futuras. Talvez os novos casais, isolados pela xenofobia e pelo radicalismo, não possam ter como Rick e Ilsa, ou como eu e Giselle, Paris...


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