Como doação eleitoral virou propina
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Numa entrevista à Rádio Tiradentes, do Amazonas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que os empresários, ou o Ministério Público, teriam “inventado” a história de considerar as doações feitas a campanhas e partidos políticos como “propina”. Teria sido uma forma, diz Lula, de “culpar” os políticos. “Por tudo o que leio na imprensa, os empresários sempre deram dinheiro para campanha (…). Todos eles (os políticos) pedem dinheiro para empresário, a vida inteira, desde que foi proclamada a República. A diferença é que agora transformaram as doações em propina, então fica tudo criminoso”.
Bem, há alguma dose de verdade na declaração de Lula e um bocado de ginástica retórica. De fato, há hoje uma contestação sobre o modo como se relacionam financiadores e financiados na política, de um modo geral, que ultrapassa o que seria somente um eventual processo de afastamento do PT do poder. Tanto que agora fustiga o presidente Michel Temer. Como já se disse por aqui, os envolvidos nesse processo ainda precisam provar que serão tão duros e inflexíveis também nos casos das denúncias que envolvem o PSDB. Nesse sentido, Lula não deixa de ter razão quando diz que “fica tudo criminoso”.
Agora, o que Lula não comenta na entrevista é que no curso das investigações da Lava-Jato, o que os procuradores do Ministério Público e os agentes da Polícia Federal envolvidos na força-tarefa descobriram foi uma associação entre as doações e acertos futuros de interesse dos empresários.
Era uma sofisticação do que se descobrira no mensalão. Ali, quando surgiram as denúncias, a saída inicial dada pelos partidos foi dizer que se tratava de caixa 2 de campanha. Como houve diversos saques ocorridos fora de período eleitoral, prevaleceu a convicção de que se tratava mais de um caixa permanente ao qual os partidos e os políticos podiam acessar no momento em que quisessem para os mais variados motivos. Ou seja: dinheiro indevido para o uso dos políticos e partidos.
Nos casos narrados pelos empresários e investigados pela Lava-Jato, evoluiu-se para um modelo no qual o recurso era de fato contabilizado como doação de campanha. Às vezes, até como doação de campanha registrada, caixa 1. Mas havia um acerto posterior de interesse do empresário que era feito em troca do pagamento da doação.
Esse entendimento ficou claro no julgamento que foi feito pelo Supremo que condenou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em março. Escrevemos aqui na época sobre ele. Ali, houve uma evolução importante no sentido de considerar que, se o dinheiro é indevido, não importa se ele foi usado para pagar despesas de campanha eleitoral ou outra coisa.
Nos casos que têm sido investigados pela Lava-Jato pode-se dizer, em resumo, que os processos relatados pelos empresários têm em comum os seguintes pontos: as empresas têm seus contratos milionários com o governo; os representantes dos partidos negociavam com as empresas a manutenção desses contratos milionários ao pagamento de propina; para evitar as situações que levaram às condenações no mensalão, os partidos passaram a contabilizar essa propina legalmente como doação de campanha.
Contabilmente, a empresa estava doando dinheiro às campanhas. E o dinheiro era devidamente registrado. Mas, nas suas delações, os empresários informam que o dinheiro era propina. E isso é reforçado pelas investigações a partir de outras provas descobertas: mensagens, conversas telefônicas, reuniões, etc.
Se poderá dizer que seria ingenuidade imaginar que empresários doassem alguma coisa às campanhas sem esperar algo em troca. É verdade. Mas isso foi exatamente o que foi dito pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o primeiro delator da Lava-Jato: “Não existe almoço grátis”. O problema é que o nome técnico da conta desse almoço é propina.