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Considerações sobre o segundo dia: a calculada farsa do ódio


Ainda que francamente favorável aos argumentos da presidente afastada Dilma Rousseff, um editorial do jornal francês Le Monde chama a atenção e merece leitura por colocar o dedo na ferida sobre algumas verdades incômodas desse processo de impeachment.

Segundo o Le Monde, se o processo que julga o afastamento de Dilma não é golpe, ele é, então, uma grande farsa. De golpe, é realmente muito difícil de chamá-lo. Indo na linha de argumentação de um petista - o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad -, é complicado chamar de golpe um processo que se vale de um preceito constitucional, segue todos os ritos desse preceito constitucional, no qual a parte acusada tem defesa e se vale dessa defesa.

Como comentamos nas considerações do primeiro dia, o julgamento que acontece no Senado é político, e seu início ficou marcado por evidenciar isso. Assim, as motivações políticas dos agentes desse julgamento se afloram. É aí que entram os aspectos que levam a considerar se não é correta a segunda alternativa proposta pelo Le Monde: a farsa. Diferentemente do que aconteceu no impeachment de Fernando Collor - também marcado pelas fortes motivações políticas -, agora há uma dose bastante proporcional de lama a encharcar todos os atores envolvidos.

Bem além das razões específicas discutidas no processo de impeachment, o pano de fundo de todo o atual processo político brasileiro é a constatação de que há algo muito errado na forma como ele se financia. Na forma como se dão as relações entre financiadores e financiados. Tudo começa nas investigações da Operação Lava-Jato, na mal contada história da compra da refinaria de Pasadena e no enorme escândalo que foi aflorando em seguida de desvio de recursos na Petrobras e nas diversas delações de empresários, especialmente de empreiteiros, narrando como financiaram partidos e políticos em troca das polpudas verbas para tocar obras públicas. O problema é que tais denúncias não atingem apenas a presidente afastada Dilma Rousseff. Não atingem apenas o PT, seu partido. Essas denúncias atingem, num cálculo otimista, de 60% a 70% do conjunto de senadores e partidos que estão reunidos no plenário do Senado nesse julgamento. E essa é a principal chave para um dos maiores males dos nossos dias: o cretino e hipócrita jogo da indignação seletiva. Jogo que os senadores jogaram com esmero no segundo dia de julgamento.

Vários momentos resumem bem o jogo da indignação seletiva, ou a calculada farsa do ódio. Um dos melhores é a troca de acusações entre a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). Na véspera, Gleisi dissera, numa fala que mereceu muita censura dos demais senadores, que o Senado não tinha moral para fazer aquele julgamento. Caiado, então, respondeu que quem não tinha moral para dizer tal coisa era alguém que desviara dinheiro dos aposentados - referindo-se à acusação de envolvimento do marido de Gleisi, Paulo Bernardo, num suposto esquema de desvio de recursos da Previdência. Aí Lindbergh, na defesa de Gleisi, se voltou para Caiado dizendo que moral não tinha quem explorava trabalho escravo em suas fazendas - antiga acusação que há contra Caiado.

Mais tarde, a calculada farsa do ódio foi exercida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Nas sessões do impeachment, Renan cede a presidência ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Fora da Mesa, na planície do plenário, Renan foi ao microfone censurar Gleisi. Queria deliberadamente provocar a ira da senadora paranaense e dos demais integrantes da bancada petista, segundo alguns, num calculado processo que pudesse justificar seu voto favorável ao impeachment no final do processo.

O problema é que o ato de Renan não tinha sido tão bem calculado assim. Ao censurar Gleisi, ele revelou que há menos de 30 dias teria interferido junto ao STF para que ela não fosse indiciada, justamente quando estourou a tal denúncia contra Paulo Bernardo. Se aquilo que Renan disse era verdade, ele acabava de confessar ali algo gravíssimo. No Brasil, é possível o Supremo ignorar indícios contra uma pessoa somente diante do pedido camarada do presidente do Senado? Numa situação normal, ou havia elementos contra Gleisi que justificavam seu indiciamento - e aí isso deveria ter acontecido, independentemente dos pedidos de Renan - ou não havia.

Algumas horas depois, Renan, que de bobo não tem nada, recuou da exaltação e deu explicações dizendo que agira apenas de maneira institucional: como presidente do Senado, do qual Gleisi também faz parte, foi atrás de explicações. Era melhor tudo ficar como um momento de perda das estribeiras do que depois Renan ter que se justificar de um ato confesso de obstrução da Justiça do chefe de um poder contra outro. Renan agora vai ter de achar outra justificativa se quiser votar a favor do impeachment de Dilma.

Da parte dos senadores petistas, também vai aí uma boa dose de indignação calculada. Quem acompanhou os bastidores dos últimos dias, sabe que o PT desautorizou as tentativas que Dilma pretendia buscar de acordo para reverter sua situação no processo. Escrevemos por aqui que Dilma chegava só ao enterro da sua última quimera.

O julgamento prossegue. Já aprendemos por aqui que ele é político. E que é também um calculado teatro farsesco. Vamos aos próximos atos.


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