Dilma estará só. Quem assistirá ao enterro da sua última quimera?
Há um traço que é inegável na personalidade da presidente afastada Dilma Rousseff. Ela é uma pessoa de coragem. Não é por acaso que ela escolheu no discurso da sua primeira posse como presidente o trecho de “Grande Sertão, Veredas”, de Guimarães Rosa, onde o personagem Riobaldo diz que tudo o que a vida quer da gente é “coragem”.
Não poucas vezes, porém, Dilma confundiu a necessidade de demonstrar coragem e firmeza com rispidez e falta de educação. Várias vezes ela procurou argumentar que essas críticas a esses traços do seu caráter eram machismo: se fosse o governante um homem, não chamariam o seu modo duro de mal-educado. Não é bem o que dizem muitos dos que conviveram com ela nos seus tempos de governo, seja como ministra ou como presidente. Não era firmeza. Era rispidez mesmo.
Seja por que motivo for, o fato é que Dilma foi se isolando ao longo do tempo. E ela chegará ao plenário do Senado para o julgamento do seu impeachment praticamente acompanhada apenas da sua coragem. Sua última “formidável” quimera – a possibilidade de reverter sua condenação conduzindo o início de um processo de depuração da política, com a convocação de novas eleições presidenciais – não obteve o apoio do PT e de seus aliados. Ainda que, com certeza, o plenário fique lotado, tanto com os 81 senadores e seus assessores mas provavelmente nas galerias, Dilma pessoalmente estará só. E talvez um pouco até pela sua própria vontade.
Com a coragem que lhe resta, Dilma pretenderá repetir no plenário do Senado a cena que ficou famosa de seu interrogatório quando foi presa pela ditadura militar. Ela, ali, de cara limpa, cabeça erguida, enfrentando militares, todos eles com os rostos tapados. Dilma quer encarar os senadores – aqueles que foram seus aliados e aqueles que foram seus opositores – e ver se eles sustentam ou não o olhar.
Porque no final todos a abandonaram. Como contamos aqui, há alguns meses os senadores petistas admitiam a ideia de fechar com a proposta de Dilma de novas eleições. Nas conversas que tinham com um grupo de cerca de uma dezena de senadores que admitiam não ter fechado questão sobre a condenação, a hipótese era acenada. Mas os senadores petistas só fechariam questão se a ideia tivesse o aval do partido. Durante um bom tempo, nenhum sinal veio. Até que o presidente do PT, Rui Falcão, selou a coisa desautorizando a ideia. A partir daí, qualquer possibilidade de reversão do quadro foi enterrada.
Na ideia que o PT pretende construir, fica a narrativa do golpe. Que vai se somar a uma argumentação de que o tal golpe se viabilizou politicamente pelos erros de Dilma. Ela é que não teria construído pontes e se isolado. Nome tirado da cartola do ex-presidente Lula, não era um quadro orgânico do PT. Na crise que se abateu sobre seu segundo governo, não foi a gestora que se vendia, e acabou colocando sob ameaça as conquistas sociais obtidas pelo partido. Assim, distanciado de Dilma, quem sabe o partido reorganiza-se para disputar uma volta ao poder ao final do mandato de Michel Temer. Esse é o raciocínio que resta ao partido.
Quanto a Dilma, imaginam, vai se isolar. Ficará só. E a vida seguirá.
A imagem do enterro formidável da última quimera é do poema “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos, que segue aí abaixo:
“Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera - Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!”