Considerações sobre o primeiro dia: o julgamento é político
Na largada do julgamento de Dilma Rousseff por impeachment, a defesa da presidente afastada conseguiu alguns tentos. Nada que vá alterar o resultado - só um milagre hoje seria capaz de evitar o afastamento de Dilma. Mas importante na construção da narrativa do golpe. A opção por tentar produzir para a história essa versão foi a escolhida. Dilma, já contamos por aqui, foi abandonada pelo PT no que imaginava ser sua única chance de negociar outra saída: a proposta de convocação de novas eleições. Como a história verá este atual momento da nossa vida política, só a história mesmo poderá dizer. Mas o fato é que as ações conduzidas pelo ex-ministro da Justiça e agora advogado de Dilma José Eduardo Cardozo e pelos aliados da presidente ajudaram a evidenciar no primeiro dia que o julgamento que ali acontece é político. E aí não é só discurso: o julgamento é político mesmo.
Para quem acompanha mais detidamente a política, saber que o impeachment é um julgamento político não é novidade. O impeachment de Fernando Collor também foi um julgamento político. No caso, ainda mais reforçado pelo fato de, em seguida, ele não ter sido condenado pelos mesmos motivos no Supremo Tribunal Federal. É bem provável que situação parecida aconteça agora. Como aconteceu com Collor, os atos agora praticados por Dilma talvez nunca configurem crime passível de condenação na Justiça, mas, no entender dos senadores de agora - como entenderam os senadores na época de Collor - deverão configurar crime de responsabilidade, cuja punição é somente política: a perda do mandato e dos direitos de exercer cargos políticos por um período. E, como aconteceu no caso de Collor, a ausência de uma condenação na Justiça novamente não deverá provocar uma anulação pelo Supremo do julgamento político. Até porque ele é presidido pelo presidente do Supremo.
O que José Eduardo Cardozo trabalhou para evidenciar no primeiro dia foi a intenção política das ações daqueles que atuaram contra Dilma. E o principal ponto nesse sentido foi ter conseguido evitar que o procurador Júlio Marcelo - que liderou todo o trabalho de análise das chamadas pedaladas de Dilma no Tribunal de Contas da União (TCU) - depusesse como testemunha. Colocou-se ali uma suspeição sobre um personagem-chave na acusação a Dilma por ele ter participado de ato em favor do impeachment.
Além de limitar o peso do testemunho de Júlio Marcelo, o que se pretendeu foi reforçar assim a narrativa de que diversas forças atuaram politicamente para afastar Dilma. Ainda que Júlio Marcelo em seu depoimento tenha demonstrado as diferenças - seja no formato, seja na quantidade, seja na evolução do entendimento do malabarismo contábil que foi feito no governo -, o fato de ficar demonstrada a existência de uma motivação política em quem deveria ter ficado isento enfraqueceu a posição de uma figura importante no processo.
O julgamento prossegue. Está apenas no seu início. E, como se disse aqui no início, dificilmente os lances ocorridos alterarão o mais que provável resultado do afastamento de Dilma. Mas uma coisa já é certa: José Eduardo Cardozo é excelente advogado. Uma coisa que o PT e Lula certamente terão que explicar para a história é por que o maltrataram antes quando era ministro e desconfiaram tanto dele...