Da esquerda, algumas bem-vindas autocríticas
De fato, o teólogo Leonardo Boff não fez as críticas ao ex-presidente Lula que andam sendo atribuídas a ele nas redes sociais. O que Boff fez foi reproduzir em seu blog um artigo escrito pela jornalista Carla Jimenez na edição brasileira do jornal espanhol El País. E é ela, Carla, quem faz críticas ao PT e a Lula. É ela quem escreve, em determinado trecho do seu artigo que “Lula (…), mais do que os crimes a que responde, feriu de golpe a esquerda do Brasil. Ajudou a segregá-la, a estigmatizar suas bandeiras sociais e contribuiu diretamente para o crescimento do que há de pior na direita brasileira”. Diz mais Carla. Diz que Lula “se embebedou com o poder”.
O artigo de Carla Jimenez não é sobre Lula. Fala de um modo geral sobre a enxurrada amazônica das delações da Odebrecht e outras na Operação Lava-Jato que, a essa altura, atingem não apenas o PT mas praticamente toda a classe política brasileira. Boff compartilhou o artigo no seu blog por entender que ele era “bem informado sobre a corrupção que tomou conta das empreiteiras”. Boff não criticava ele mesmo Lula. Mas como compartilhava o artigo sem fazer observações, levou muita gente, de boa e de má fé, a compreender que ele endossava as críticas ao comandante supremo do PT.
Apesar dos reparos posteriores feitos por Boff, é preciso registrar que não é a primeira vez que o teólogo compartilha em seu blog um texto que critica pelo viés de esquerda aspectos dos governos petistas. Em outubro de 2016, ele publicou um texto de Frei Betto, com o título de “Nós erramos”. É um texto que vai na linha de outros escritos pelo escritor e religioso dominicano Carlos Alberto Libânio Christo. Frei Betto, nesse artigo e em outros, tem dito que os governos petistas teriam sido os melhores que o país já teve, pela promoção social que obtiveram. Mas que erraram por não fazer as reformas estruturais que tornariam permanentes os avanços sociais que ofereceram. Não houve reforma agrária, não houve reforma tributária, não houve reforma da previdência, não houve reforma política. Em diversos momentos, convocou-se economistas da mesma linha ortodoxa da direita para conduzir o país, algo que Frei Betto chama de “convocar os incendiários para apagar o fogo”.
Semelhante é o artigo escrito pelo jornalista Ricardo Kotscho, primeiro secretário de Comunicação de Lula no início do seu primeiro governo. Kotscho não consegue imaginar onde vai parar o festival de delações da Odebrecht. Que não vão ficar só na Odebrecht, com as delações das demais empreiteiras. Que não ficará somente em empreiteiras, mas provavelmente atingirá empresas de outros setores e outras relações entre financiadores e financiados, como as do sistema financeiro. “Se alguém souber o que ainda falta acontecer e onde tudo isso vai parar, por favor me avise”, escreve Kotscho.
O fato é que o tamanho, amplitude e a contundência das delações na Operação Lava-Jato começam a levar aos primeiros esboços de autocrítica. Diante de algo que pega de Aécio Neves a Lula, de José Serra a Paulinho da Força, de Moreira Franco a Antonio Palocci, do PT ao PP, passando pelo PMDB, PSDB, etc, chega a ser meio constrangedor o debate em torno de quem roubou mais ou menos, de quem desviou mais ou menos ou de quem aparece mais ou menos nos meios de comunicação. Há algo de muito irregular na forma como os governos, os partidos e os políticos ao longo da história brasileira – ou pelo menos da da recente história política brasileira – foram atrás de dinheiro. É disso que se trata. É isso que precisa mudar. E, nesse sentido, toda autocrítica – mais aguda ou mais tímida, com idas e vindas ou não – é bem vinda.