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A volta do “todo mundo faz”


Depois da tentativa frustrada de votar na Câmara um projeto que anistiava os políticos em condenações por Caixa 2, veio a entrevista do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. Ao jornal O Globo, Geddel disse entender que Caixa 2 não era crime. Ainda bem que ressalvou que “não era um jurista” e que, portando, poderia estar cometendo “uma blasfêmia” do ponto de vista jurídico.

Entre os defeitos de Geddel, nunca esteve de fato a falta de sinceridade. Mais do que a “blasfêmia” do ponto de vista jurídico, o ministro revelou ali um sonho de nove entre dez políticos. Ou talvez mesmo de dez entre dez políticos. A possibilidade de poder mexer com dinheiro não declarado nas suas campanhas eleitorais sem serem importunados.

A votação frustrada na Câmara e a fala de Geddel retornam a uma famosa frase do ex-presidente Lula nas suas idas e vindas na reação às denúncias do mensalão. No começo, percebendo a fragilidade do momento, Lula pediu desculpas à população brasileira pelo que tinha acontecido, em seu nome, em nome do governo e em nome de seu partido. Depois, quando se sentiu um pouco mais forte, Lula disse que o mensalão era Caixa 2, algo que “todo mundo faz, sistematicamente”. Depois, houve a fase de dizer que o mensalão era uma farsa e a fase de dizer que um dia contaria a verdade sobre ele, coisa que ainda se espera até hoje.

Em defesa de Lula, é preciso dizer que o “todo mundo faz, sistematicamente” aparece de formas variadas na boca de quase todos os políticos. Porque, infelizmente, Caixa 2 na campanha eleitoral é mesmo algo que “todo mundo faz, sistematicamente”. Agora, o erro da sociedade seria aceitar o Caixa 2 como algo normal e aceitável. Esse é o sonho dos políticos. O problema é que a partir do Caixa 2 que nascem as demais mazelas.

Se uma empresa deposita altas somas de dinheiro numa campanha política é porque espera algo em troca se o dono da campanha for eleito. Se deposita de forma velada é porque não pode revelar aquilo que espera em troca. É porque aquilo que espera em troca é impublicável. E se é impublicável, tem boas chances de não ser decente. É por aí que nascem as relações entre os financiadores da política e seus financiados, que vêm enchendo as prisões do Paraná depois da Operação Lava-Jato. É a relação que se inicia no Caixa 2 e depois se desenvolve nos governos, na troca de benesses e de favores.

O ministro Geddel tem razão quando diz que o assunto deve ser discutido “sem preconceito” e “sem histeria”. Mas ele precisa ser discutido não na linha do que tentaram os que propunham a anistia. Precisa ser discutido no sentido de que as relações entre empresários e políticos e os seus interesses fiquem transparentes e públicas. Porque a Justiça, na balada da Lava-Jato, deixa muito claro que não pretende tolerar tais práticas. A opinião pública, também não. Está claro que o atual governo não está confortável junto à sociedade como o governo Dilma também não estava. Assim, se os políticos não desejam seguir numa atividade cada vez mais condenada pelas pessoas, se não desejam seguir confundidos, aos olhos do eleitor, com bandidos, é preciso que se inicie uma discussão séria sobre financiamento de campanha.

Uma discussão séria que não parta do pressuposto da anistia e da aceitação dos desvios como coisa normal. Caixa 2 é crime previsto na legislação eleitoral. Vale lembrar uma bela frase da ministra Cármem Lúcia, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mensalão, quando ela condenava a linha de condução dos advogados de defesa, no sentido de dizer que tudo ali era somente Caixa 2. “Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga com toda tranquilidade que ‘ora, houve caixa dois’. Caixa dois é crime. Caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira. Dizer isso perante o Supremo Tribunal Federal me parece realmente grave porque fica parecendo que isso pode ser praticado e confessado e tudo bem”, disse ela. Não pode ser praticado nem confessado. Não pode ficar tudo bem.


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