Dilma cometeu meio crime de responsabilidade? Por isso é que ela sofreu meio impeachment?
Ainda vai dar muito pano pra manga a polêmica decisão final do Senado de afastar Dilma Rousseff da Presidência da República, mas mantendo seus direitos políticos. O parágrafo único do artigo 52 da Constituição estabelece que a condenação por crime de responsabilidade no processo de impeachment implica como pena “a perda do mandato, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública”.
Ou seja, o texto constitucional parece deixar bem claro que a pena engloba as duas coisas: perda do mandato e inabilitação para o exercício da função pública. Não parece haver progressão de pena para crime de responsabilidade. Não parece estar previsto crime de responsabilidade mais ou menos grave. Não parece haver meio crime de responsabilidade que determine como pena um meio impeachment.
Sabe-se lá o que motivou essa estranhíssima posição final do Senado, hipótese que até então não tinha sido discutida ou sequer levantada por algum jurista. Mas é inegável que ela ajuda a fortalecer os argumentos daqueles que diziam não haver claramente um crime de responsabilidade cometido pela agora ex-presidente Dilma que motivasse o impeachment. O Senado passou a ideia de que Dilma cometeu um crime de responsabilidade atenuado. Ou que, talvez, como insistiu durante o julgamento seu advogado de defesa, José Eduardo Cardozo, estava sendo condenada “pelo conjunto da obra”, por não reunir mais as condições políticas para continuar no poder.
Pode até vir a ser legítimo o país discutir se deve manter no poder um presidente que já não reúne as condições para governar. Já nos primeiros meses do seu segundo mandato, Dilma já via inviabilizadas as condições de governar, o país paralisado, sem que ela conseguisse aprovar minimamente seus projetos ou tocar seus programas. É discussão válida ponderar se vale a pena manter por quatro anos um presidente que fica capenga já nos primeiros meses de seu governo. Mas, se julgar que precisa ter algum instrumento para depor presidentes que perdem as condições políticas de governar, o país tem que criar para isso alguma outra ferramenta. O impeachment não foi criado para isso. Ao sinalizar para a existência de um crime de responsabilidade minorado, o Senado pode dar dado a brecha para a banalização e o questionamento do processo.
Levando, talvez, à banalização e ao questionamento de outros processos criados para serem usados de forma excepcional e em situação de gravidade. Será que, por exemplo, vão fazer o mesmo com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criando agora a meia quebra de decoro, que implica perda do mandato de deputado sem perda dos direitos políticos?
Vai-se ao mais esdrúxulo. Se o Supremo Tribunal Federal fizer alguma revisão da Lei da Ficha Limpa, que o ministro Gilmar Mendes, num show de deselegância, disse ser uma lei “feita por bêbados”, será que Dilma poderá em 2018 disputar a sucessão do próprio mandato que perdeu?
Certamente tudo isso será julgado ao final pela "sóbria" Suprema Corte da qual Gilmar Mendes faz parte. No julgamento do Senado, ficou claro o esforço de Ricardo Lewandowski de não se posicionar muito sobre a decisão de desmembrar a pena, já certo, provavelmente, que terá de se manifestar sobre isso no STF.
Enfim, a decisão inusitada do Senado levou, no mínimo, à necessidade de mais um capítulo nessa dramática novela chamada Brasil...