Feliciano e Patrícia Lélis em tempos desonestamente maniqueístas
A história, com potencial de escândalo, que envolve o deputado e pastor Marcos Feliciano (PSC-RJ) e a jornalista Patrícia Lélis talvez não tenha ganhado o destaque que merecia por não conseguir conter claramente a disputa entre heróis e bandidos que nossos tempos desonestamente maniqueístas tanto necessitam. Na verdade, a forma como o tema ganhou as redes sociais vem sendo uma das mais contundentes comprovações desse maniqueísmo desonesto que hoje nos assola.
A denúncia feita por Patrícia Lélis é das mais graves e não pode ser ignorada. Ela diz ter sido chamada ao apartamento de Feliciano para uma reunião. Quando chegou lá, só estava ele. Que começou a fazer a ela propostas indecorosas, que ela recusou. Diante da recusa, ela a teria agredido e tentado forçar relações sexuais. Caso grave, caso se comprove a denúncia, de tentativa de estupro. Há trocas de e-mails e uma possível testemunha que comprovariam a história.
Por outro lado, há também elementos que apontam para fortes indícios de que Patrícia Lélis tentou se aproveitar da situação para chantagear e extorquir Feliciano, retirando dele uma grana considerável. Ou seja: na história, há coisas graves a condenar tanto Feliciano quanto Patrícia.
Nas redes sociais, a coisa muitas vezes vai se desenvolvendo da seguinte maneira. Grupos feministas esforçam-se para ignorar os indícios de chantagem e extorsão de Patrícia para colocá-la como mera vítima do discurso moralista, misógino e obscurantista de Feliciano. E grupos evangélicos ligados a Feliciano esforçam-se para transformar Patrícia numa messalina, na Eva diabólica a tentar o bom e puro pastor, de forma a comprometer sua carreira política e o avanço dos grupos conservadores no embate brasileiro.
Quando afrontados pelos fatos que podem enfraquecer seus argumentos, cada grupo parte para a agressão. Trabalha para reduzir a nada a reputação do adversário, na violência virtual característica hoje das trincheiras na guerrilha da internet.
Mais do que ingênuo, tal maniqueísmo que brota das redes sociais é desonesto. De forma consciente, distorce e tenta eliminar do cenário tudo aquilo que atrapalha a formulação das suas teses. Felizmente, há quem se rebele contra essa prática e não permite que ela se transforme em regra. No caso da história que envolve Feliciano e Patrícia, tem se comportado assim, de modo exemplar, o jornalista Leandro Mazzini, da coluna Esplanada. E, nas redes sociais, o também jornalista Hugo Studart.
O maniqueísmo desonesto no caso FelicianoXPatrícia é o mesmo que vai se tornando comum em praticamente toda discussão nas redes sociais. É o mesmo que fez com que em determinado momento muitos daqueles que eram contrários à presidente afastada Dilma Rousseff puxassem como palavra de ordem “Somos todos Cunha”. Eram ingênuos aqueles que conseguiam olhar como herói o deputado Eduardo Cunha? Ou desonestos? Como não conseguiam ver que as denúncias contra Cunha eram muitas vezes mais fortes e mais concretas que as que havia contra Dilma?
Da mesma forma, como a defesa de Dilma pode muitas vezes ignorar os erros que seu governo cometeu? Como pode a mesma Operação Lava-Jato ser desacreditada se alcança políticos do PT e festejada quando chega a nomes do PMDB ou do PSDB? Ou vice-versa.
A internet e as redes sociais permitem que todos tenham acesso amplo a todas as informações. É difícil hoje alegar-se ignorância sobre o que quer que seja. O que torna mais forte a impressão de que, bem mais que ingenuidade, o que hoje grassa no mundo virtual é a desonestidade...