Trumbo e a idiotice do radicalismo
Somente agora vi Trumbo - Lista Negra, de Jay Roach. No lugar dos tradicionais programas dos partidos políticos, o que deveria acontecer em caráter obrigatório em cadeia nacional era a exibição desse filme. Nestes nossos tempos em que o FlaXFlu adquire um caráter cada vez mais intolerante e antidemocrático, contribuiria muito mais para a educação política do que os insuportáveis e hipócritas programas das nossas legendas partidárias.
O filme conta a impressionante história de Dalton Trumbo, um dos melhores roteiristas de Hollywood de todos os tempos. São de sua lavra os roteiros de filmes como Spartacus, de Stanley Kubrik; Exodus, de Otto Preminger; Papillon, de Franklin J. Schaffner, e Johnny vai à Guerra, dirigido por ele mesmo, dentre vários outros clássicos do cinema.
Na época da Segunda Guerra Mundial, quando Estados Unidos e União Soviética estiveram unidos contra a ameaça nazista de Adolf Hitler, Dalton Trumbo aproximou-se e acabou se filiando ao Partido Comunista. Depois que a Segunda Guerra acabou, americanos e soviéticos embarcaram num dos períodos mais estúpidos da história mundial, quando inventaram a tal guerra fria. Eram duas potências com capacidade bélica de destruir o planeta se comportando em escala mundial como aqueles meninos de escola que riscam uma linha no chão e ficam ameaçando o outro de porrada. Xingam-se mas, dada a certeza de que vão se arrebentar de forma séria, nenhum dos dois passa a tal linha. O problema é que essa bobagem em escala planetária, ainda que não seja letal como uma guerra mundial, acaba também por agredir, machucar e matar pessoas. Trumbo foi uma das vítimas dessa fanfarronice planetária.
Diante da paranoia que se instalou nos Estados Unidos, a opção dele e de outras pessoas pelo comunismo começou a ser vista como algo perigoso. Iniciou-se um triste período no qual perseguir e delatar pessoas tornou-se coisa comum. Comunistas eram inimigos dos Estados Unidos, traidores. Passíveis de prisão embora nunca tivessem cometido crime algum além de adotar determinada linha de pensamento político. Para investigar e identificar tais pessoas, instalou-se um tal Comitê de Atividades Antiamericanas, um vergonhoso tribunal de inquisição política, que atingiu para valer a classe artística americana, especialmente aqueles envolvidos com a forte indústria cinematográfica.
Pessoas com tendências de esquerda eram chamadas ao tal comitê para testemunhar e dizer se eram ou tinham sido filiados ao Partido Comunista. Era um constrangimento claramente antidemocrático. Contrariava de forma cristalina a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que dizia que o Congresso, onde se instalara o tal Comitê, era proibido de "limitar a liberdade de expressão" e o "direito de livre associação pacífica". Trumbo e outros nove roteiristas de Hollywood recusaram-se a responder ao Comitê sobre suas inclinações políticas, certos de que não cometiam crime algum.
Acabaram presos por "desobediência civil". Passaram a integrar uma "Lista Negra" que os impedia de trabalhar para os estúdios de cinema de Hollywood. Proibido de trabalhar, Trumbo criou um estratagema que garantiu a sua sobrevivência e a de seus colegas. Primeiro, escreveu roteiros que foram assinados por testas de ferro, outros autores. Depois, passou a fazer, junto com seus colegas, roteiros com pseudônimos. De forma impressionante, Trumbo, sem poder assumir a autoria, ganhou nada menos que dois Oscars como roteirista. O primeiro por A Princesa e o Plebeu, assinado por um testa de ferro, e o segundo por Arenas Sangrentas, assinado por um inexistente Robert Rich.
Na década de 1960, Trumbo resolveu, numa entrevista, assumir a autoria dos dois roteiros premiados. E desmoralizou completamente a tal lista negra e o seu radicalismo. Os paranoicos anticomunistas tinham conseguido, sim, causar graves problemas e dissabores para aqueles que perseguiam. Mas não tinham evitado que eles trabalhassem e sobrevivessem. Mais do que isso: não tinham conseguido evitar que fossem mesmo premiados pelas instituições que davam força à perseguição. Desmoralizada a paranoia, Trumbo voltou a assinar seus filmes, com Spartacus e Exodus.
Nestes tempos em que imbecis depredam e jogam bombas em partidos políticos, em que cusparada virou cumprimento usual, onde amizades são desfeitas nas redes sociais, assistir a Trumbo é pedagógico.
Pensar diferente não representa risco algum. O debate democrático só enriquece. O radicalismo só empobrece e emburrece. E, além de tudo isso, a perseguição arbitrária e a proibição antidemocrática geralmente têm muito menos efeito do que fascistas e similares imaginam. Quem combateu a ditadura militar brasileira, por exemplo, já sabia muito bem disso. Antes mesmo dela, capangas de Carlos Lacerda certa vez resolveram quebrar os dedos do jornalista e escritor Antônio Maria. Que, no dia seguinte, já escreveu, apesar da agressão sofrida: "Que tolos, eles pensam que escrevemos com as mãos!"
Quem também zombou da tola ditadura foi Paulo César Pinheiro, na letra de Pesadelo, na qual se dirigia diretamente ao censor: "Você corta um verso, eu escrevo outro"... Vejam Trumbo... E aprendam a conviver e respeitar a diferença.
Vejam aqui o trailer de Trumbo - Lista Negra
E ouçam aqui Pesadelo, com o MPB4