Aqui é o fim do mundo...
Não somos mais o país do futebol... Nossos pilotos de Fórmula Um não passam de meros coadjuvantes... Vamos sediar os próximos Jogos Olímpicos num Rio de Janeiro falido... Nosso petróleo do pré-sal não passa de uma promessa vã enterrada no fundo do mar tecnicamente sem condições de ainda ser explorado... A estupidez das nossas redes sociais e a violência das ruas, das invasões da UnB, dos estupros coletivos, mostram que não somos um país pacífico e cordial... Nossos políticos de praticamente todos os partidos de ambos os lados da disputa estão envolvidos nos mesmos esquemas de corrupção... E ficam todos eles numa farsa meio ridícula de indignação seletiva: todo crédito às denúncias contra seus adversários; toda dúvida às denúncias sobre seus aliados...
De repente, em velocidade impressionante, tudo aquilo de que nos orgulhávamos ou as coisas com que sonhávamos pareceu se esfarinhar. Evaporou-se. Sumiu no ar. O país feio, desigual, incompleto, a ser construído, que sempre desconfiamos continuar existindo desnudou-se inteiro à nossa frente. Talvez em alguns momentos tenhamos estado mais à frente. Mas, agora, estamos bem carentes de algo com que nos orgulhar. Nossa trilha sonora Gilberto Gil e Torquato Neto já cantavam nos anos 1960. "Aqui é o fim do mundo". "Oh, yes, nós temos bananas até pra dar e vender"!
Em recente entrevista, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse considerar que é possível que estejamos passando hoje por uma crise até maior que a de 1930. Dado que a atual crise não é apenas uma crise econômica - é uma crise política, é uma crise de valores, e até uma crise das coisas que sempre nos orgulharam mesmo nos piores momentos: nosso futebol, nossos esportistas, nossa música... -, é possível que o ministro tenha mesmo razão.
É possível, porém, que por trás de toda essa triste situação ainda haja motivos para otimismo. O cenário de terra arrasada pode fazer com que, desta vez, deixemos de nos esconder atrás de falsas premissas. A verdade é que durante anos o país seguiu ignorando as raízes de problemas que, se não enfentados, certamente um dia iriam estourar. Diante de glórias efêmeras, íamos adiando o momento de prestar contas com nossos fantasmas.
Há anos sabemos, por exemplo, que a falta de investimentos e a corrupção de nossos dirigentes esportivos terminaria por impedir que novas gerações de atletas surgissem mesmo naqueles esportes que sempre dominamos. Desde os anos 1970, nossos jogadores de futebol migravam para times europeus cada dia mais cedo. Uma seleção medíocre, dirigida por um técnico medíocre, era sem dúvida o melhor retrato que poderia ser construído por uma CBF na qual todos os dirigentes estavam envolvidos em grossas denúncias de corrupção. A carência de novos campeões de automobilismo, a honrar as gerações de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, é consequência mais do que evidente de um país onde praticamente não há mais autódromos - no qual o símbolo máximo é a finada pista de Jacarepaguá, no Rio. De onde poderiam surgir novas gerações de esportistas?
Da mesma forma, passamos anos convivendo com as seguidas denúncias de corrupção na política acreditando, ou fingindo acreditar, que elas acabariam com a troca dos grupos políticos a cada eleição. Já no governo José Sarney, houve uma CPI da Corrupção. Contra ela, o brasileiro optou por eleger um político novo, que nada tivesse com os grupos tradicionais. Então, Fernando Collor foi guindado do poder por corrupção após um processo de impeachment. Itamar Franco? Em seu governo, houve o escândalo dos anões do Orçamento, ceifando diversos políticos de mais de um partido. Fernando Henrique Cardoso? O escândalo da compra de votos, o escândalo dos precatórios do DNER, as denúncias sobre as privatizações. Luiz Inácio Lula da Silva? O mensalão. Dilma Rousseff? O petrolão. Enfim, nenhum dos presidentes eleitos após a redemocratização governou sem a sombra de casos de corrupção. Era melhor na ditadura? Não, com casos como Coroa-Brastel, denúncias na Petrobras, superfaturamentos de grandes obras.
Seja no esporte, seja na política, seja na economia, pode ter chegado a hora de parar de ignorar a raiz de problemas históricos. É onde a crise pode virar oportunidade. Como a gente já disse algumas vezes por aqui, as investigações da Operação Lava-Jato nunca pareceram de fato ser uma operação destinada a apear do poder um partido ou seu grupo político. Sempre foram uma investigação contra um determinado modo de se fazer e de se financiar a política, sobre a forma como se relacionam os políticos e seus financiadores.
Longe do FlaXFlu inútil, se os reais problemas que levaram a esse estado de coisas fosse realmente atacado, num processo honesto de reformas e mudanças, pode estar a construção de um país novo.
A única vantagem de se estar no fim do mundo é que para trás não há mais nada. Os únicos caminhos possíveis são para a frente...
Fiquemos, então, com Marginália II, de Gilberto Gil e Torquato Neto como trilha sonora...