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Partidos demais, República de menos


Algum desavisado que acompanhe de longe as disputas políticas norte-americanas poderá imaginar que por lá só existem o Partido Democrata, do presidente Barak Obama, e o partido Republicano, do exótico - para dizer o mínimo - Donald Trump. Vai aqui um recado aos desavisados: existem nada menos que 78 partidos políticos registrados nos Estados Unidos.

É bem mais do que os que existem por aqui. No Brasil, existem 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. E mais 21 esperando registro. Levando-se em conta que de alguma forma essas outras agremiações já existem, são, então, no total, 56 legendas.

A diferença está, no entanto, no caminho até onde as pequenas legendas americanas conseguem ir.Na Câmara de Representantes dos Estados Unidos - o equivalente à nossa Câmara dos Deputados - só há parlamentares democratas ou republicanos. Nenhum outro partido tem representação. No Brasil, dos 35 partidos registrados no TSE, nada menos que 27 têm pelo menos um deputado federal.

Nenhum dos blocos de partidos na Câmara chega sequer perto da maioria. Depois das últimas barafundas da política brasileira, o maior bloco atualmente é formado pelo PP, PTB e PSC. E tem 75 deputados. O PMDB, partido do presidente interino Michel Temer, forma com o PEN 69 deputados. E o PT da presidente afastada Dilma Rousseff tem 58 deputados. O PSDB está com 51.

Reside aí uma das principais raízes da nossa crise política. O problema não está no número de partidos exatamente. Numa democracia, pressupõe-se a possibilidade de organização de qualquer grupo de ideologia política, por menor e pouco expressivo que seja. O que não se pode pressupor é que uma ideologia política menor e pouco expressiva acabe super representada. Porque aí corre-se o risco de seguir para coisa ainda pior: a existência de partidos políticos que não representam coisa alguma. Que existem apenas porque é muito fácil formar partidos, ganhar dinheiro do fundo partidário com eles e eleger alguém que irá exercer poder de fato.

Pode ser um exagero que nos EUA apenas dois grupos de fato acabem conseguindo representação. Mas, no Brasil, acontece o exagero oposto. Para tomar outros exemplos: na Inglaterra, há 21 partidos. Mas são 11 os que têm representantes na Câmara dos Comuns, sendo que a grande maioria ou são do Partido Conservador ou são do Partido Trabalhista. Na Alemanha, dos 13 partidos, só cinco têm representação.

Numa entrevista recente ao site em português da BBC, o professor de Ciência Política da Universidade de Pittsburgh (EUA), Barry Ames, diz que a política brasileira acaba precisando da corrupção para se manter. Com o número excessivo de partidos com representação política, e não tendo boa parte desses partidos consolidação ideológica, a discussão para a formação das maiorias acaba passando por outras linhas de interesse. Os partidos aceitam participar da base na melhor das hipóteses porque os governos fazem um loteamento dos ministérios, entregando as pastas às legendas de "porteira fechada", como se diz. Na pior das hipóteses, é em troca de dinheiro mesmo, dinheiro para as campanhas, dinheiro para a sustentação dos projetos políticos, dinheiro para botar no bolso mesmo.

O que acontece hoje no Brasil é que estruturas independentes criadas a partir da Constituição de 1988 para fiscalizar o funcionamento do governo e das demais estruturas de poder ganharam enorme eficiência e maturidade. Ministério Público, Polícia Federal, principalmente. Encontraram um braço da Justiça disposto a levar tal fiscalização às últimas consequências, seja qual for a motivação pessoal do juiz Sérgio Moro.

Em contrapartida, a política brasileira seguiu sem qualquer renovação. Todas as tentativas de reforma política tentavam esbarraram na falta de interesse dos partidos em realizá-la. Seguimos no mesmo processo de formação de coalizões em troca de benesses até o seu esgotamento. Mensalão e petrolão são os apelidos desse processo.

Daí, as conversas captadas nas gravações feitas pelo presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Nelas, os interlocutores percebem que o processo não vai parar. Começam a entender desesperados que não será possível circunscrever as punições apenas a Dilma e ao PT, a quem já foi punido. Vêem o processo avançar célere sobre os demais partidos, porque todos os partidos se unem na mesma lógica da formação de coalizões políticas em troca de benesses e favores. Não é por outra razão que o governo Michel Temer esfarinha-se em velocidade vertiginosa: duas semanas e dois ministros já pediram demissão por envolvimento nas denúncias da Lava-Jato....

Somente uma mudança que restrinja a possibilidade de representação de partidos sem ideologia, que controle a força econômica dos grandes financiadores políticos (bancos, empreiteiras, etc) poderá parar esse processo. Essa seria a discussão necessária. Mas quem está realmente interessado nela?


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