Mais à direita que a prudência recomenda?
Não é incorreto dizer que parte da derrocada do PT e de Dilma Rousseff tenha se dado pela organização nos últimos tempos de uma reação conservadora no país. Grupos que até então mantinham latentes os seus pensamentos começaram a ganhar coragem de expor suas ideias. Seja a turma mais radical, limitada intelectual e historicamente, que pregava um golpe militar, travestido pelo eufemismo de "intervenção". Sejam grupos ligados à moral conservadora, a religiões, como aqueles contrários aos avanços de minorias, conquistas de gênero, etc.
Mas também seria incorreto reduzir toda a movimentação ocorrida no Brasil nos últimos tempos a isso. Na verdade, desde as eleições em que Dilma conquistou seu segundo mandato, o debate muito se deu em torno das condições de se manter ou não as conquistas sociais obtidas durante a era PT.
Para ganhar a eleição, Dilma minimizou ao máximo possíveis efeitos da crise econômica que já nos atingia. Crise que outros candidatos alertavam. Assim, ela construiu um discurso de que os demais candidatos pretendiam rever tais conquistas, e que só a sua reeleição garantia que elas seriam mantidas. Transformou tudo em mero debate ideológico: manter ou não as conquistas sociais dependia, pelo discurso, apenas de uma escolha. Quando ela tomou posse e deparou com a crise, escolheu Joaquim Levy para fazer justamente o ajuste fiscal que no debate eleitoral negava. Essa é uma das principais raízes da insatisfação popular que se abateu contra ela.
Chegamos aí ao ponto atual do ainda brevíssimo governo Michel Temer. Boa parte do que vem sendo dito pelos atuais ministros e do que foi feito por ele vai no sentido de uma guinada conservadora. Que pode agradar à parte dos que apoiaram a derrocada do PT e de Dilma, mas que não agrada a todos. E que pode desagradar mesmo parte dos próprios grupos conservadores.
Comecemos pela ausência de mulheres no primeiro escalão, uma das primeiras fragilidades notadas. É possível que determinados grupos ligados à moral conservadora não se importem e até se agradem desse ministério masculino. Mas se todo discurso conservador fosse machista e misógino, Margareth Thatcher não teria sido possível. É bem provável que boa parte das mulheres que apoiam o impeachment tenha se sentido mal com a escolha cem por cento masculina de Temer. Mulheres liberais do ponto de vista econômico, conservadoras. Empresárias, trabalhadoras.
Sigamos por aqueles que seguiram aquele grande pato de gosto duvidoso da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O pato era um símbolo contra o ajuste fiscal defendido por Levy e mesmo depois dele que, para combater a crise econômica, pregava aumento de impostos e a volta da CPMF. Como ficam os seguidores do grande pato quando o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admite justamente aumentar impostos ou a possível volta da CPMF?
Mas sigamos por grupos mais à esquerda. Considerar que o PT ou o grupo que apoiava o governo Dilma tem o monopólio da esquerda brasileira seria algo que só serviria ao discurso propagandístico desse próprio grupo. Por razões que podemos deixar para um próximo artigo, algumas personalidades mais ligadas à esquerda estão do lado dos que atuaram para afastar Dilma.
O PPS, por exemplo, tem suas raízes no antigo PCB (há ainda hoje um PCB, mas falo do antigo, conhecido como "Partidão"). O PCB foi um dos principais berços da formulação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de figuras como Sergio Arouca. Sente-se bem o PPS quando o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, ventila a possibilidade de restringir o SUS? Ou mesmo o PSDB, também berço de alguns dos formuladores do SUS, como Euclides Scalco?
Artistas que apoiaram o afastamento de Dilma sentem-se à vontade com o fim do Ministério da Cultura? Ou parlamentares mais ligados à área, como o senador Cristovam Buarque (PPS-DF)?
Finalmente, entre todos - conservadores ou não - os apoiadores do afastamento de Dilma, há o discurso contra a corrupção, que se instalou nos governos petistas, como bem mostram as investigações da Operação Lava-Jato. Sentem-se bem com ministros no atual governo igualmente investigados na mesma Lava-Jato? Sentem-se bem se a Controladoria Geral da União (CGU) perde o status de ministério? Se o governo deixasse de indicar para o Ministério Público o primeiro nome da lista tríplice eleita pelos próprios procuradores, como se faz tradicionalmente?
São dilemas que surgiram muito cedo. Em um governo que tem menos de uma semana. Dilemas que os grupos ligados ao PT e a Dilma, com a competência de oposição que sempre tiveram, têm muito bem explorado, especialmente nas redes sociais.
No novo governo Temer, ninguém esperava que fosse ser fácil. Não está sendo fácil mesmo.