Não é um Ministério. É um Gabinete
Houve quem tentasse vender a votação no Senado que retirou Dilma Rousseff da Presidência da República como um passeio. Afinal, era necessária apenas a maioria simples para que a ação fosse aceita e ela afastada. E a oposição arregimentou mais de dois terços. É um raciocínio. Mas ele carrega em si um bocadinho de torcida. Porque a oposição conseguiu 55 votos, quando o mínimo que precisará para efetivamente condenar Dilma e estabelecer seu impeachment são 54 votos. Ou seja, foi um voto somente além do mínimo.
Em tese, os 55 votos obtidos pela oposição na primeira votação estão muito perto de ser o limite de votos que a oposição terá, a não ser que nesses 180 dias surja algum fato novo que agrave muito a situação da presidente afastada. Muito dificilmente quem optou por “não” na votação mais simples mudará de ideia e escolherá “sim” na votação mais grave. Mesmo os que faltaram – se o fizeram de forma consciente – não queriam se comprometer na votação mais simples – e provavelmente não vão querer também se comprometer na votação mais grave.
Alguns dos senadores que votaram “sim” acolhendo o processo de impeachment argumentaram que viam indícios para isso e que, por essa razão, queriam agora conhecer os detalhes da acusação e da defesa para, então, formar um juízo. Ou seja, pelo menos declaradamente, eram pessoas que diziam não ter formado ainda a sua convicção pela condenação. Precisavam ser convencidos. Assim, basta a Dilma virar dois desses votos na segunda votação que ela escapa do impeachment.
Pelo seu comportamento até agora, e pelo comportamento dos seus aliados, não é possível se ter certeza se essa é mesmo a tática que ela deseja. Se quer apostar numa possível embora improvável virada do impeachment ou se já prefere ir criando a narrativa do golpe para sua posteridade, para a história. Porque aí há o conflito de duas táticas irreconciliáveis. Trabalhar para eventualmente virar votos significa amenizar o discurso e aceitar certas regras políticas do processo. Construir somente a narrativa do golpe significa agudizar o discurso, apontar dedos acusadores, afastar-se das instâncias do Senado e buscar outras instâncias onde tal discurso tenha eco – na militância, em organismos internacionais, em governos de outros países, etc.
Mas a verdade é que o cenário para a primeira hipótese existe. E o presidente em exercício, Michel Temer, tem plena consciência disso. O Ministério que ele construiu é a mais exata tradução da consciência de que há ainda uma batalha a vencer antes de poder tirar o “em exercício” do cargo e se tornar efetivamente presidente da República. Longe de buscar um Ministério de “notáveis”, correndo o risco de abrigar algumas biografias questionáveis – até envolvidas nas mesmas denúncias da Operação Lava-Jato que derrubaram Dilma e o PT –, Temer escolheu um ministério para segurar os 55 votos obtidos na primeira votação.
Formado quase que totalmente por líderes parlamentares, a equipe de Temer tem por principal tarefa mapear e tentar minimizar possíveis ações que venham a ser tentadas por Dilma e seus aliados. É um Ministério para jogar tendo como campo o tapete azul do Senado.
A começar por Eliseu Padilha na Casa Civil. Padilha é tido como um dos melhores estrategistas do Parlamento. Alguém que faz mapas de votação com precisão. Que organiza pleitos dos políticos e acha um meio de atendê-los. Não foi por outra razão que Temer, quando foi lá atrás escolhido por Dilma para fazer a sua coordenação política, deslocou Padilha – então ministro da Aviação Civil – para ocupar a função que se batizou de “gerente do Posto Ipiranga”: era a sala de Padilha o local onde os políticos encontrariam tudo aquilo que desejassem.
E passando por Romero Jucá no Ministério do Planejamento. Jucá é o relator da atual Lei Orçamentária. Sabe exatamente onde estão os recursos que eventualmente podem ser sacados para azeitar alguma necessidade política, mesmo nesses tempos de crise.
E por aí vão outros nomes de perfil semelhante entre os partidos aliados escolhidos. Podem até não ser os nomes mais queridos e respeitados da sociedade brasileira. Mas não é à sociedade que eles precisam agradar neste primeiro momento. O alvo agora é um público bem menor. E se resume a apenas 81 privilegiados cidadãos brasileiros. Não é um Ministério. É um Gabinete.