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Para entender o que pode acontecer no petrolão, é bom voltar ao mensalão


A recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou réu o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) pelo crime de lavagem de dinheiro é importantíssima para o desdobramento dos próximos julgamentos referentes à Operação Lava-Jato. Fica estabelecido o entendimento de que dinheiro oriundo de propina continua sendo irregular mesmo se ele depois aparecer como doação eleitoral declarada à Justiça Eleitoral.

Na verdade, temos aí uma evolução importante dos entendimentos que marcaram o julgamento do mensalão. Além de todos os emocionalismos do FlaXFlu político que se estabeleceu no Brasil desde aquela época, é importante que se diga que todos os ministros do STF que participaram daquele julgamento consideraram que o conjunto de acontecimentos que compuseram a Ação Penal 470 foi crime. Em maior ou menor grau, todos, absolutamente todos, os ministros que participaram daquelas sessões de julgamento condenaram os procedimentos daqueles que foram réus.

E aí vale recordar alguns pontos comuns que marcaram as decisões naquele julgamento. E que parecem evoluir a partir da decisão tomada no caso de Valdir Raupp. Pontos que já foram uma importante evolução se o julgamento do mensalão for comparado com o julgamento anterior do ex-presidente Fernando Collor, que sofreu no Senado processo de impeachment, mas acabou não sendo condenado na Justiça. Vejamos quais foram esses pontos:

Para determinar a corrupção, não é preciso o ato de ofício – Esse é um ponto com o qual todos naquela época concordaram. Antes, prevalecia um critério pelo qual era necessário fazer-se uma conexão direta entre o recebimento de alguma vantagem indevida e uma ação correspondente em troca. Tal entendimento acabou contribuindo para absolver Collor. Como ficou comprovado, Collor recebeu um automóvel, um Fiat Elba, de um dos fantasmas criados por seu ex-tesoureiro PC Farias. Evidente que um presente dado por um fantasma criado para regularizar dinheiro indevido não podia ser algo regular. Mas não se encontrou nenhuma ação específica de Collor no governo que correspondesse exatamente ao recebimento do presente. Diante disso, não se condenou Collor.

No mensalão, os ministros entenderam que se alguém efetivamente recebeu dinheiro proveniente de desvio de recursos públicos, isso é corrupção. Foi um avanço inconteste, porque nem sempre é fácil se identificar essa

relação direta.

O próprio caso da compra de apoio político – base da acusação do mensalão – é um claro exemplo disso. Fazer parte ou não de uma base de apoio parlamentar é algo que engloba mais do que simplesmente votar ou não a favor dos projetos do governo no plenário. Além disso, no modelo de coalizão brasileiro, a base de apoio é geralmente difusa, gerando uma necessidade de negociação permanente. Quem acompanha a política brasileira, sabe que muitas vezes os partidos da base dão “sustos” no governo negando votos para voltar a negociar as vantagens que desejam. Seja um cargo que cobiçam e não receberam, sejam verbas orçamentárias, seja dinheiro mesmo.

Assim, um partido ou um parlamentar poderia usar em sua defesa que não votou pela aprovação de algum projeto quando, na verdade, ele bem poderia ter agido assim justamente porque naquele momento estava chantageando o governo para obter algo mais. E a Justiça, tentando estabelecer essa conexão direta, cairia nessa esparrela. A partir do mensalão, ficou claro que, se o dinheiro recebido era indevido, fica caracterizada a corrupção.

Se há dinheiro público, é corrupção, não somente caixa 2 – Outro ponto em que o entendimento dos ministros

foi unânime – ainda que possa ter havido divergência quanto aos réus condenados e as penas – é de que a invocação de caixa 2 eleitoral não derruba o crime de corrupção. Aliás, a tática usada por alguns advogados nesse sentido causou espanto na época à ministra Cármen Lúcia, que hoje preside o STF. Alguns advogados foram à tribuna confessar crime de caixa 2 eleitoral – que, no caso, já estaria prescrito – para tentar livrar seus clientes da imputação de outros crimes, não prescritos. A ministra tem razão: é espantoso mesmo ir à tribuna da Suprema Corte confessar um crime com o propósito de escapar de outro e da prisão. Felizmente, tal tese não colou.

No caso, os ministros do Supremo entenderam que, comprovado o recebimento de dinheiro proveniente de desvio de recurso público, não importa se o beneficiário daquele dinheiro usou-o para pagar despesas de campanha eleitoral ou o que quer que seja. O dinheiro é indevido.

Aí, voltamos, então, à decisão tomada no caso de Raupp. Infelizmente, numa luta contra o saneamento do país, cada medida que se toma para conter a corrupção parece provocar uma busca de sofisticação dos esquemas a partir daí. E certamente o ponto mais sofisticado do esquema que se batizou de petrolão foi que as novas doações deixaram de entrar como caixa 2 nas campanhas eleitorais para passarem a entrar como caixa 1.

Pode-se resumir o que boa parte do que os delatores na Operação Lava-Jato têm dito à seguinte situação. As empresas têm seus contratos milionários com o governo. Os representantes dos partidos negociavam com as empresas a manutenção desses contratos milionários ao pagamento de propina. Para evitar as situações que levaram às condenações no mensalão, os partidos passaram a contabilizar essa propina legalmente como doação de campanha. Aparentemente, tudo ficava assim muito certo. Contabilmente, a empresa está somente doando dinheiro às campanhas. E o dinheiro está devidamente registrado. Acontece que os delatores testemunham que tal dinheiro foi propina. Foi achaque. Portanto, tais testemunhos demonstram a ilegalidade original do dinheiro. E as investigações dão força à comprovação disso: reuniões, conversas telefônicas, etc.

Assim, diante da sofisticação no esquema que a Lava-Jato identificou, sofistica-se também o entendimento dos juízes. O que vem por aí certamente, então, vai levar em conta o que se verificou como crime na visão dos que julgaram o mensalão e o que se verificou como crime agora. Provavelmente, vai obrigar os corruptos do futuro a novamente quebrar a cabeça para outra vez sofisticar seus esquemas.


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